A primeira escritora russa a viver exclusivamente do trabalho literário
Anna Petrovna Bunina foi a primeira escritora russa a viver exclusivamente do trabalho literário, ou seja, a primeira escritora profissional da Rússia. Poetisa e tradutora, era apelidada por seus contemporâneos de Safo Russa, Décima Musa e Corina do Norte.
Para intelectuais e instrutores mundo
afora, a Literatura russa sempre foi uma peça central de intenso estudo e
debate. Porém, o nome de Anna Petrovna
raramente é listado entre os grandes nomes literários russos, não porque
ela não mereça um reconhecimento elevado. O fato de ela ser parente de Ivan
Bunin, ganhador do Prêmio Nobel em 1933, não ajudou muito.
No entanto, ela merece ser celebrada com a
mesma aclamação de seus pares mais destacados. Disciplinada, resiliente, inteligente,
prática e talentosa, Bunina finalmente prevaleceu em seu trabalho literário
contra todas as probabilidades.
Em uma época em que a sociedade tinha
preferência pelos dramas apaixonados da ópera e do teatro, o escapismo
prolongado dos romances ou as ousadias de escritores como Lord Byron, nome
influente no Romantismo britânico, Bunina se destacou exercendo seu ofício por
meio da poesia e da vida considerada produtiva e mansa.
As circunstâncias em que ela nasceu
moldaram a sua vida adulta. Sua mãe morreu durante o parto, deixando o bebê na
aldeia de Urusovo, localizada em Ryazan, distrito rural a 200 km
a sudeste de Moscou. Pouco habitada, a aldeia proporcionava espaço, solidão e
beleza natural para o florescimento de uma mente imaginativa como a dela.
Anna foi criada pela tia, mas morou também
com outros parentes, pulando de casa em casa. Seu nível educacional em ler,
escrever e as fazer as quatro operações aritméticas era, para a época,
considerado mais que o suficiente para uma moça. Por ser menina, não podia
de exercer nenhum tipo de profissão.
Os seus cuidadores não consideravam sua
educação uma prioridade, embora houvesse exceções. Anna bordava muito bem
e tecia rendas, mas se quisesse aprender idiomas estrangeiros, música ou canto,
teria de mudar para as capitais.
Apesar disso, ela começou a escrever
poesia aos treze anos. Sua primeira obra publicada foi o fragmento em prosa Liubov
(Amor), na revista Ippokrena, 1799,
n. 4.
Imersão nos estudos em São Petersburgo
O pai de Anna Petrovna faleceu em 1802 e deixou como herança uma renda de 600
rublos. Não era muito, mas a libertava de morar nas casas dos outros e de ser
tratada como “parente pobre”. No mesmo ano ela foi visitar o irmão, um oficial
da marinha, em São Petersburgo, o grande centro cultural da Rússia. Com os
recursos deixados pelo pai, ela resolveu morar na capital, em um apartamento na
Ilha de Vassiliev.
Em São Petersburgo, ela estabeleceu a
coisa mais próxima que uma mulher da época poderia ter de uma experiência
universitária. Montou uma casa, contratou uma série de professores particulares
e iniciou um regime rigoroso de estudos. Estudou física, matemática, francês,
alemão, inglês e, principalmente, Literatura russa. Com isso, adquiriu um
estilo de escrita muito mais sofisticado.
Dívidas e primeiros poemas
Em menos de dois anos o custo de vida de
São Petersburgo, consumiu a herança de Bunina. Ela foi contraindo dívidas e não
conseguia pagá-las. Para ajudá-la, seu irmão a apresentou aos literatos da cidade,
a quem Anna mostrou suas obras.
Seus primeiros poemas começaram a sair na
imprensa em 1806. Em 1809, ela publicou
sua primeira antologia poética Neopytnaia muza (Musa inexperiente). A obra obteve ótima
recepção do público e foi apresentada à imperatriz Elizavieta Alekseieva que,
empolgada, concedeu a Anna uma pensão anual de quatrocentos rublos.
A antologia também ganhou a aprovação dos
mestres da Literatura russa, incluindo Derjavin,
Dmitriev, Krylov, criadores do grupo literário Conferência dos amantes da palavra russa (Беседа любителей русского слова). Em
1811, durante a conferência do grupo literário, Krylov leu em voz alta o poema heroico-cômico Padenie Faetona (A queda de Faetonte),
de Anna Bunina, baseado em um dos enredos da obra Metamorfoses, de Ovídio.
Esses escritores a nomearam membro
honorária do grupo. Infelizmente, isso foi um gesto vazio pois, para a
sociedade conservadora da época, uma mulher se apresentar em um palco público,
fosse como atriz, cantora de ópera ou mesmo como apresentadora de discursos
políticos, tornava-a desprendida moralmente. Ainda mais para uma mulher
respeitável e que estava sendo financiada pela família real.
Em 1814, reagindo aos terríveis
acontecimentos, ela ofereceu ao imperador o hino Pesn Aleksandru Velikomu, pobediteliu Napoleona i vosstanoviteliu
tsarstv (Canção ao grandioso Alexandre, vitorioso sobre Napoleão e
restaurador de reinos).
Estilo das suas obras
Denominada por muitos de Safo Russa (em parte em razão de sua
paixão pela poesia antiga, cujo estilo Bunina com frequência imitava), a
poetisa deixou tantos poemas de meditações filosóficas e hinos em louvor aos
"feitos dos maridos" mortos na Batalha de Borodino, quanto poesia
lírica pessoal, íntima e carregada de sentimento.
Ela se inspirava nos poetas gregos e
romanos, principalmente em Safo e Ovídio, escrevendo meditações
filosóficas e hinos de louvor aos heróis mortos em campos de batalhas, como o
poema em homenagem ao Capitão Rostislav
Ivanovitch Zakharov.
Ela também escrevia poemas líricos
pessoais, íntimos e carregados de sentimento, que levaram seu nome para a posteridade.
O poeta e escritor Evgueni Evtushenko
(1932 – 2017) dedicou-lhe o poema Anna
Primeira (Анна Первая), em que
ressalta o pioneirismo da poetisa no front feminino da Literatura russa – mesmo
que Anna não tenha sido, de fato, a primeira escritora russa e sim a primeira a
fazer sucesso.
Anna é reconhecida por ter usado temas e
estilos mais diversos e uma faixa métrica mais ampla em suas obras do que as
primeiras poetisas russas. Seus poemas incluem observações originais e
marcantes sobre as experiências das mulheres, especialmente seus conflitos com
os homens.
Isso não impediu que elementos
proeminentes da sociedade literária russa da época fizessem ataques a ela e a seus
escritos, limitando sua influência sobre futuros poetas.
Uma orquestrada campanha de difamação
O declínio acentuado de Bunina entre a
elite literária da época, pode ser atribuído em grande parte a uma maldosa
campanha de difamação conduzida por Alexander
Pushkin e pela conservadora Sociedade
Arzamas. Embora os romances e peças de Pushkin sejam marcos notáveis da Literatura
russa, como pessoa, ele foi desprezível ao zombar cruelmente de Bunina em correspondências a amigos.
A crítica minuciosa ao conjunto das obras de
Bunina, considerada por ele como trivial e muito simples, levou à queda em
desgraça da poetisa. O estilo, que ela trabalhara tanto para desenvolver, não
estava mais na moda.
Previsivelmente, Anna também foi ridicularizada
por nunca ter se casado. A dedicação aos estudos havia sido seu grande amor e
seu motivo para enfrentar a vida com tanta força. Egoístas e misóginos, esses
homens não entendiam – ou não queriam entender – as provações de mulheres que desejavam
viver e se realizar como eles.
Carreira e Principais Publicações
Em 1808, Anna fez uma tradução abreviada de As Regras da poesia de Charles
Batteux e uma tradução em versos da primeira parte de Arte Poética de Nicolas
Boileau (1808-1809; concluída em 1821). Em 1812, ela publicou o segundo
volume da sua antologia poética Neopytnaia muza (Musa inexperiente).
Em 1819, ela já tinha estabelecido uma
reputação como escritora séria e reverenciada. Com seu charme inteligente,
astúcia forte, rimas elegantes e temas feministas, despertou o interesse da
culta imperatriz viúva Maria Fedorovna, que providenciou
para que Bunina recebesse uma pensão pequena, mas muito necessária.
Isso, para Anna, foi uma dádiva de Deus pois a maior
parte de sua herança havia sido drenada para pagar os salários de seus tutores
e suas próprias despesas. Um estilo de vida quase boêmio na movimentada
metrópole de São Petersburgo não saiu barato, mesmo com o orçamento cuidadoso e
gostos simples de Bunina.
Enquanto isso, Anna se socializava com o fascinante
círculo literário do almirante e escritor Alexander
Shishkov, seu patrono e apoiador, e o colega poeta Gavrila Derzhavin.
Obras literárias
Traduções do francês:
Regras da poesia – de Charles Batteux.
Arte poética – de Nicolas Boileau.
Poemas e prosa:
Poemas safísticos
Imitação da poetisa de Lesbos
Noites rurais
Canção a Aleksandr
O grande, vitorioso sobre Napoleão e restaurador de reinos
Câncer, pensão vitalícia e período de sofrimento
Em 1815, ela descobriu que tinha câncer de mama. Os melhores médicos a
trataram. O imperador pessoalmente acompanhava o seu estado. Foi decidido que a
levariam à Inglaterra, famosa, pela competência dos seus médicos. Infelizmente,
os tratamentos experimentais não trouxeram muito alívio. Ela permaneceu na
Inglaterra até 1817. Quando voltou à Rússia, concederam-lhe uma pensão
vitalícia.
Anna passou os últimos cinco anos de vida entre
Moscou e a vila de Riajsk. Nesse
período, até ficar deitada era para ela desconfortável. Por isso, ela passava a
maior parte do tempo de joelhos. Diz-se que lia muito a Bíblia em suas últimas
semanas. Um de seus últimos poemas, Para
os entes queridos (К ближным), fala
sobre esse período de sofrimento.
Segundo o testemunho dos contemporâneos,
suas cartas (que não se conservaram) faziam lembrar as Cartas de um viajante russo de Nikolai
Karamzin, pela profundidade e agudeza das observações e pelo tom geral
sentimentalista.
Anna Petrovna
Bunina morreu no
final de 1829 e foi enterrada na aldeia de Urusovo, localizada em Ryazan.
Um monumento foi erguido sobre o seu túmulo pelo seu afilhado, neto de sua irmã
Maria, o viajante Piotr Petrovitch
Semiónov-Tian-Shanski e pela sobrinha Nadejda
Ivanovna Bunina.
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