segunda-feira, 28 de março de 2022

KATHERINE MANSFIELD - A MAIS NOTÁVEL E REVOLUCIONÁRIA ESCRITORA DE SUA GERAÇÃO

 




Êxtase e a inveja provocada em Virginia Woolf



Conta-se que depois de ler Bliss (Êxtase), Virginia Woolf afirmou: Eu morro de inveja dessa mulher. A mulher e autora do conto é a escritora Katherine Mansfield. Enciumada, Virgínia Woolf a considerava pouco elegante e mantinha entre elas uma aristocrática e desconfiada distância.

Kathleen Mansfield Beauchamp, nome original de Katherine Mansfield, nasceu em Wellington, Nova Zelândia, em 14 de outubro de 1888. Passou a infância em Wellington, depois viajou para Londres em 1903 com suas duas irmãs mais velhas para frequentar o Queen's College.



Considerada uma mestra do conto modernista, teve seus anos mais criativos carregados de solidão, doença, ciúme e alienação. Tudo isso refletiu em seu trabalho com a representação amarga das relações conjugais e familiares de seus personagens de classe média.




 

Depois da publicação de The Garden Party, Katherine Mansfield estava definitivamente estabelecida como uma das mais notáveis e revolucionárias contistas de sua geração. Adquiriu reputação internacional como escritora de contos, poesia, cartas, jornais e resenhas. Ela foi adotada pelos círculos artísticos baseados no Bloomsbury, grupo de artistas e intelectuais britânicos, mas nunca pertenceu a ele. Era uma mulher e, portanto, em certos aspectos, uma estranha em qualquer país. Além disso, era uma escritora inteiramente dedicada ao conto, que nunca teve a mesma reputação que o romance.

 

Mas esse livro sou eu!


Clarice Lispector, uma das mais importantes escritoras brasileiras, foi outra grande escritora do século XX que reconheceu o poder da escrita de Katherine Mansfield. Lendo a obra da neozelandesa pela primeira vez, Clarice teria dito que Mansfield era ela mesma. A “Clarice Lispector da língua inglesa” talvez seja uma boa forma de apresentar essa brilhante autora para o público de língua portuguesa. Muitos são os pontos comuns a elas – a obra literária com a perspectiva da mulher, o contemplar o cotidiano, as relações humanas, o uso inteligente do silêncio.

 

Clarice descobriu, sozinha a obra de Mansfield, ao retirar da prateleira de uma livraria a coletânea Bliss. Sem saber de quem se tratava, começou a leitura ali mesmo, em pé, e não conseguiu parar, tomada por profunda afinidade com a autora: “Mas esse livro sou eu!”, teria pensado diante do volume de contos que adquiriu.

 

A tradução infeliz de Bliss como felicidade

 

Érico Veríssimo foi quem traduziu Bliss aqui no Brasil, em 1940, pela Editora Globo. Mas foi infeliz ao traduzir Bliss por Felicidade. Já Ana Cristina Cesar, poeta e tradutora, parece ter acertado no alvo quando escolheu o termo Êxtase. Bliss é êxtase, felicidade, alegria, arrebatamento, coisa divina, palpitação, frio na barriga...


 


Ana mergulhou nas cartas e no diário de Mansfield enquanto trabalhava na tradução comentada de Bliss, que lhe rendeu o título de mestre em Teoria e Prática da Tradução Literária pela Universidade de Essex, na Inglaterra. A leitura fez a poeta brasileira perceber que na obra de Mansfield, como na sua, “ficção e autobiografia constituem uma única e indivisível composição”.


 

Seus contos e sua técnica de escrita


Considerada uma figura central no modernismo britânico, seus contos são inovadores, acessíveis e psicologicamente agudos, pioneiros na forma do gênero no século XX. Eles também são notáveis ​​pelo uso do fluxo de consciência. Ela descreveu eventos triviais e mudanças sutis no comportamento humano.

 

Sua ficção, poesia, diários e cartas cobrem uma série de assuntos: as dificuldades e ambivalências das famílias e da sexualidade, a fragilidade dos relacionamentos, as complexidades e insensibilidades das classes médias em ascensão, as consequências sociais da guerra e, principalmente, a tentativa de extrair qualquer beleza e vitalidade da experiência mundana. Assim, ela rejeitou as convenções da narrativa altamente tramada com uma conclusão cuidadosamente elaborada, usando narrativa direta e indireta e uma rápida transição de tempos para fornecer constantes mudanças de perspectiva.


 




As reticências são um recurso frequente de Mansfield, por vezes como encerramento das narrativas. Elas apontam o descompasso entre a vida interior e a forma de expressá-la e os limites das introspecções dos personagens, como uma parede que não pode ser ultrapassada. É uma expressão da vida cotidiana mais pelo que é não dito do que pelo que é revelado, de modo que a alienação em relação a si mesmo é uma fuga bem-sucedida da infelicidade.

 

Seus personagens não ficam sob holofotes, ela apenas mostra a vida interior de cada um deles. Olhares, palavras, expressões faciais. Muitos assuntos atravessam sua prosa: conversas sobre sonhos e os íntimos da mente, típico de uma sociedade que despertava para o poder do inconsciente freudiano. Em especial, as mulheres que constantemente questionam seus lugares na sociedade. Em todos os escritos os críticos encontram uma profundeza enorme de observação; uma singela expressão do que há de intraduzível na alma humana e uma complexa feminilidade surpreendendo as estranhas raízes que a prendiam à vida.


 


Ela manipulou cuidadosamente o elemento autobiográfico em seu trabalho. A arte sempre transcendia a realidade, e eventos ou pessoas lembradas eram moldados para se adequarem à impressão que ela desejava transmitir. Seu apelo duradouro talvez se deva em parte ao fato de que no melhor de sua escrita, ficção ou não-ficção, ela comunica sua experiência individual de tal forma que diferentes leitores podem se identificar com ela.

 

A escrita é convertida em exercício ficcional. Com isso, a escritora estabelece seu olhar sobre as coisas, dá forma a sensações causadas por pessoas e lugares, revela – a si mesma e aos outros. A atividade literária é o motivo principal de suas reflexões no diário e nas cartas.

 

Uma vida errante e desordenada

 

De volta à casa paterna, em 1906, com 18 anos, veio infeliz, mal-humorada e rebelde. Wellington era uma província para uma moça, já meio desordenada que, depois de dois casos de lesbianismo, um obscuro incidente com um marinheiro e a morte da adorada avó. Em 1908, ela convenceu seu pai a deixá-la retornar a Londres. Em julho do mesmo ano, deixou a Nova Zelândia. Levava na cabeça farto material que mais tarde usaria em seus contos. Em Londres iria viver, segundo um de seus biógrafos, “uma vida errante e desordenada”.




 Seu primeiro ano foi um desastre. Quando era estudante no Queen’s College, teve um romance com Arnold Trowell, um jovem violoncelista. Na volta a Londres, este amor tinha esfriado e foi transferido para seu irmão gêmeo, Garnet Trowell. Ela continuou a se corresponder com Arnold e formou uma estreita amizade com uma jovem alta e desajeitada, Ida Baker, a quem rebatizou de Leslie Moore ou LM, com quem teve, dizem, um caso de amor passageiro.

 

O seu relacionamento com Garnett, resultou em gravidez inesperada e ela, inexplicavelmente, ficou noiva de George Charles Bowden, um professor de canto. Casaram-se em 2 de março de 1909 no cartório de Paddington, vestida de preto, com Ida Baker como testemunha. Abandonou-o na noite de núpcias, enojada sexualmente. Tudo isso em apenas três semanas.


 Ida Baker conta que, no início de 1911, a amiga aparentemente pensou que estava grávida e escreveu várias vezes para Garnet, mas sem resposta. Em abril de 1911, LM abriu uma conta bancária para ajudá-la com o bebê. Depois disso, LM embarcou para a Rodésia para visitar seu pai. De volta, cinco meses depois, Baker não encontrou “nenhum bebê e uma conta bancária fechada”. Elas nunca discutiram o assunto.

 

Embora tenham sido lançadas dúvidas sobre a veracidade desta versão dos eventos, pode ser que algumas experiências no final da primavera de 1911 tenham contribuído para as visões ambivalentes de relacionamentos e parto que são evidentes em seu trabalho neste momento e em histórias posteriores, como Esta flor.

 

Seis meses solitários na Alemanha

 

Alarmada com esses desenvolvimentos, sua mãe, Annie Beauchamp, viajou para a Inglaterra e a levou, incontinenti, ao spa de Bad Wörishofen, na Alemanha, a fim de tratar-se e ter o filho. Deixou-a por lá prometendo esquecê-la pelo resto da vida! E foi o que fez.

 

Na Baviera, Katherine sofreu um aborto espontâneo, embora existam dúvidas a respeito da sua gravidez. Os seis meses solitários na Alemanha, foram a base para as histórias publicadas em 1910 e 1911 no periódico literário The New Age, editado por AR OrageMuitas delas têm uma narradora jovem, e quase sempre, as personagens femininas estão sozinhas, vulneráveis ​​e ingênuas, questionando seu papel na sociedade e o duplo padrão que permite aos homens desfrutar dos prazeres sexuais enquanto as mulheres sofrem as consequências.

 

Ao retornar a Londres, Mansfield ficou doente com uma doença sexualmente transmissível não tratada que ela contraiu de Floryan Sobieniowski, uma tradutora emigrante polonesa que conheceu na Alemanha. Isso contribuiu para sua saúde fraca pelo resto de sua vida.

 

John Middleton Murry, seu segundo marido e futuro editor

 

Em 1911, ela conheceu o estudante de Oxford John Middleton Murry, editor da revista Rhythm, escritor e socialista. A convite dela, ele se tornou seu inquilino, depois seu amante.




Os dois anos seguintes foram importantes para o crescimento de Mansfield como escritora – ela publicou várias histórias com temas neozelandeses – mas havia constantes preocupações financeiras e frequentes mudanças de endereço. Juntos, editaram o Rhythm e Blue Review, mas não conseguiram evitar a falência de Murry, que se seguiu à sua estadia em Paris no final de 1913. Foi somente depois de 1917, frente ao profundo choque que lhe trouxe a Primeira Grande Guerra, com a morte do irmão querido, que o seu verdadeiro gênio iria se manifestar em toda a sua amplitude com o conto Prelude.





Depois de se divorciar de seu primeiro marido em 1918, Mansfield casou-se com Murry. No mesmo ano, descobriu-se que ela estava com tuberculose. O relacionamento deles não era convencional, muitas vezes atormentado e, embora a consideração mútua fosse profunda, eles frequentemente entendiam mal as necessidades um do outro.

 

Cada vez mais Mansfield exigia amor e atenção incondicionais, que Murry muitas vezes não conseguia fornecer; foi LM que ofereceu devoção inquestionável e apoio prático. Pelo resto da curta vida de Mansfield, Murry e LM foram indispensáveis ​​para ela, mas por razões diferentes.

 

Mansfield e Murry muitas vezes viviam separados por longos períodos, mas correspondiam-se fielmente. Além de escrever centenas de cartas, em parte como substituto da conversa, Mansfield enchia cadernos e blocos de anotações com pensamentos, sentimentos, rascunhos de histórias, observações e ideias.

 

Intensa produção literária, apesar da doença


Sua primeira hemorragia tuberculosa ocorreu em fevereiro de 1918. Assim começou sua corrida contra o tempo: Como seria insuportável morrer – deixar 'restos', 'pedaços'... nada realmente acabadoEmbora sua tuberculose estivesse pior, ela se recusou a entrar em um sanatório. Em vez disso, em setembro de 1919, no início do inverno inglês, ela se mudou com LM para Ospedaletti, uma comuna italiana da região da Ligúria, província de Impéria. Sua decepção com a passividade de Murry e a aparente relutância em apoiá-la a levaram a escrever "O homem sem temperamento" em janeiro de 1920.




Mansfield mudou-se novamente em maio de 1921 para a Suíça. Murry desistiu da editoria do Athenaeum para ficar com ela. No Chalet des Sapins, Montana-sur-Sierre, ela escreveu algumas das histórias mais famosas da Nova Zelândia: 'Na baía', 'A festa no jardim' e 'A casa de bonecas'. Os dois primeiros foram publicados em The garden party e outras histórias em fevereiro de 1922.


Nessa época, em desespero, Mansfield passou por uma dolorosa radioterapia em Paris. Enquanto estava lá, ela conheceu James Joyce e escreveu 'The fly'. Cansada, ela viajou de volta para a Suíça, onde completou sua última história, 'O canário', ambientada na Nova Zelândia.

 

Apesar do estado avançado de sua tuberculose, Mansfield planejou outra série de 12 histórias conectadas que formariam a seção principal de um novo livro, tornando-se assim a terceira parte da história que começou com 'Prelude' e continuou em 'At a Baía'.

 

A cura da alma e não do corpo


Influenciada por pensadores místicos como PD Ouspensky, ela estava convencida de que, para recuperar a saúde e cumprir suas ambições, deveria tentar curar a alma, não o corpo. Estava determinada a escrever histórias livres de cinismo, a levar um novo tipo de vida, a se tornar "uma filha do sol". Em outubro, ela entrou no Instituto para o Desenvolvimento Harmonioso do Homem de GI Gurdjieff em Avon-Fontainebleau, perto de Paris. Suas últimas cartas para sua família, LM e Murry, mostram que naquela comunidade ela finalmente encontrou algo da resolução que procurava.

 

Murry a visitou em 9 de janeiro de 1923. Naquela mesma noite ela morreu de hemorragia pulmonar, aos 34 anos, no Instituto Gurdjieff, perto de Fontainebleau, França. Suas últimas palavras foram: “Eu amo a chuva. Eu quero a sensação disso no meu rosto.

 


Publicações póstumas

 

Katherine deixou seus manuscritos, cadernos e cartas para seu marido para sua disposição, com um pedido para que ele "deixasse tudo justo". No que foi visto por alguns como uma traição a essa confiança, Murry usou seus papéis seletivamente para compilar The journal of Katherine Mansfield em 1927.


Em 1939 ele selecionou mais material das mesmas fontes para produzir The scrapbook of Katherine Mansfield, e em 1954 ele publicou uma ampliação, chamada 'edição definitiva'. Ele também publicou dois volumes de As cartas de Katherine Mansfield em 1928, e as cartas de Katherine Mansfield para John Middleton Murry, 1913-1922 em 1951.

 

Ironicamente – pois Mansfield havia se descrito como “uma criatura secreta até meus últimos ossos” – seus comentários e reflexões mais particulares, o diário, as cartas e o álbum de recortes foram editados por seu marido, que ignorou seu desejo de que ele “rasgasse e queimasse o máximo possível” os papéis que ela deixou para trás. Mas, o marido, gerenciando a obra da mulher, andou censurando trechos de seu diário e cartas inteiras de sua correspondência, tentando apagar qualquer imagem “negativa” da vida de Katherine.


 



Havia uma dupla ironia, pois a cuidadosa edição de Murry dava a impressão de que ela era impecável; em fevereiro de 1923 ela já estava sendo descrita como "a mais santa das mulheres". Murry conseguiu criar um culto à personalidade, e isso sem dúvida contribuiu para o crescimento da reputação internacional de Mansfield após sua morte. Ele entendeu que os escritos que ela deixou, eram reais espontâneos, os mais vividos, os mais delicados e os mais bonitos, que os ingleses podiam ler no começo do século XX.


Katherine Mansfield foi vítima da tuberculose, assim como a ucraniana Marie Bashkirtseff e a japonesa Higuchi Ichiyô. Todas elas, além da brasileira Carolina Maria de Jesus, deixaram seus diários.



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sábado, 12 de março de 2022

MARIE BASHKIRTSEFF – SEU DIÁRIO E A BUSCA INCESSANTE DA FAMA

 




A busca incessante da fama


Na postagem anterior, falamos sobre a busca incessante de Marie Bashkirtseff pela fama e pela posteridade. Fizemos uma breve introdução sobre o seu Diário e os últimos momentos da sua vida. Eu não capitulo, escreveu certa vez, diante do mal que a levaria para o túmulo.


No momento em que surgia um novo modelo feminino – aquele que as mulheres de hoje sustentam, para inaugurar a rebelião contra um mundo dominado por homens que instituíram o casamento como seu único destino, as meninas leitoras espantaram-se com as batalhas dessa jovem frágil que travou suas cruzadas lastimando a condição feminina de seu século. Narcisista, sim, mas sobrecarregada de amor próprio, ela aceitou todos os desafios e trabalhou incansavelmente para ser grande entre os grandes e assim soube insuflar de autoestima o coração de suas leitoras.


A primeira edição do Diário, uma visão resumida e censurada dos manuscritos


Após a morte da escritora, sua mãe cumpriu a vontade dela. Do ponto de vista editorial, havia uma impossibilidade material de imprimir o Diário na íntegra. Para a tarefa, sua mãe contou com o apoio do prestigiado poeta, romancista e dramaturgo André Theuriet. O resultado dessa parceria foi uma edição que, além de ser um resumo, acabou sendo uma mutilação.





Publicado na França, em 1887, pela editora Fesquelle para a coleção Bibliothèque Charpentier. Os dois volumes, porém, representavam apenas cerca de 20% dos manuscritos deixados pela escritora. Levando-se em consideração que ela escrevia diariamente, ficaram repetidas vezes lacunas que envolviam semanas e meses. Personagens fundamentais para a compreensão tanto da personalidade da autora como dos seus comportamentos, desapareceram totalmente.



Mesmo assim, foi um best-seller inusitado. Todas as camadas daquele cosmético não conseguiam esconder o que havia de essencial no texto que prendeu seus leitores.

 

Outras publicações mundo afora


O Diário logo começou a ser reproduzido em diferentes idiomas do mundo e o eco de sua voz foi ouvido em metrópoles tão distantes como Tóquio ou Buenos Aires; também nos Estados Unidos e no resto da Europa, por mais de meio século, as jovens leram aquelas páginas com ardor para venerar sua vida e deplorar sua tragédia.


No crepúsculo de um século sombrio em que as meninas só aprenderam a falar de seus corações, Marie falou de seu corpo. Pierre-Jean Remy, escritor francês, prólogo da versão integral do Diário publicado pelo Cercle des Amis (Círculo de Amigos) de Marie Bashkirtseff.




Em 1925, cinco anos após a morte de Madame Bashkirtseff e treze desde que ela depositou os manuscritos originais na Biblioteca Nacional da França (1912), uma cláusula  impedia que eles fossem divulgado até 1930. Mas, Pierre Borel, um escritor menor, começou a publicar uma série de volumes com textos inéditos do Diário:


Cahiers Intimes Inédits de Marie Bashkirtseff (cadernos íntimos não publicados de Marie Bashkirtseff);


Les Confessions de Marie Bashkirtseff (As confissões de Marie Bashkirtseff);


Le Premier et le Dernier Voyage de Marie Bashkirtseff (A primeira e a última viagem de Marie Bashkirtseff);


La Véritable Marie Bashkirtseff (A real Marie Bashkirtseff), e provavelmente mais algumas.



Uma nova Marie Bashkirtseff apareceu: a versão cerebral e etérea de Theuriet foi contrastada com essa outra, apaixonada, impetuosa, às vezes imprudente e muitas vezes brutal, para a perplexidade retumbante de seus leitores.


Pierre Borel foi por muito tempo um herói para os estudiosos da vida de Marie Bashkirtseff. No entanto, embora uma profusão de textos censurados dessa primeira edição apareça nesses livros, a verdadeira Marie Bashkirtseff permaneceu desconhecida. 


Estamos agora convencidos de que Borel nunca trabalhou com o manuscrito original, mas, provavelmente, com aquela cópia que Madame Bashkirtseff e sua sobrinha Dina haviam executado no final da década de 1880, enfim, também um texto censurado.



Décadas seguintes


Na década de 1960 ela caiu no esquecimento, justamente porque para aquelas mulheres que se libertavam da ocultação e do preconceito, a sua imagem inocente a submergia na penumbra. Seu status de aristocrata, quando já havia caído em obsolescência, também não a favorecia. Com poucas exceções, leitores e editores viraram as costas para ela.




Mesmo assim, Doris Langley Moore encontrou o manuscrito original do Diário de Marie Bashkirtseff na Biblioteca Nacional da França e de lá extraiu material para seu livro Marie and the Duke of H.: The Dreamy Love Story of Marie Bashkirtseff.





Em 1985, a professora Colette Cosnier, grande biógrafa de grandes mulheres esquecidas, publicou uma magnífica biografia ilustrada: Marie Bashkirtseff. Un portrait sans retouches (Um retrato sem retoques), depois de ler todo o monumental manuscrito original do Diário, depositado na Biblioteca Nacional da França.






Desde 1995, o Cercle des Amis de Marie Bashkirtseff vinha publicando outra versão completa do Diário de Marie Bashkirtseff. Com a transcrição do manuscrito original pela Alma Mater do Cercle, Madame Ginette Apostolescu, a edição foi concluída em 2005, com dezesseis volumes de cerca de trezentas e cinquenta páginas cada.






Em 1999, uma versão supostamente completa do Diário apareceu sob a editora L'Age de l'Homme. Lucile Le Roy foi responsável pela transcrição e extenso trabalho de investigação, que resultou em uma excelente edição abundantemente comentada. Infelizmente, dos cinco volumes projetados, só apareceu aquele que deveria ter sido o terceiro e que cobria apenas três dos doze anos de anotações.






A professora norte-americana Phyllis Howard Kernberger, nos anos 1970 começou a tradução do Diário para o inglês, a partir dos microfilmes do manuscrito original que ela havia solicitado à BNF. Sua filha, a professora Katherine Kernberger, herdou sua paixão e continuou o trabalho ao publicar, em 1997, o primeiro volume do Diário, em inglês. Em 2013, a segunda e última parte, baseada na edição Cercle des Amis.



Quem foi, afinal, Marie Bashkirtseff?


Dotada de muitos talentos inatos, em quantas outras atividades ela estaria interessada se o fantasma de uma vida curta ou da própria morte não tivesse cruzado seu caminho? Quando lemos sobre sua vida e sua obra, o que nos move é o caráter trágico de sua existência, no sentido clássico do termo: a morte do herói.


As pessoas, naquela época, costumavam ter tempo, é a primeira coisa que vem à razão. Sim, ela tinha tempo, rica como ela teve a sorte de nascer. No entanto, ela poderia muito bem ter se dedicado à mesma coisa que a grande maioria das moças de sua classe, ficar na ociosidade, simplesmente esperando um marido.


Ela também poderia ter se destacado em outras atividades, a carreira de cantora, interrompida pela faringite crônica. E também na música, especialmente no piano, ao qual dedicou muitas horas por dia durante longos anos até atingir a maestria. Dominou a harpa, o violão e o bandolim e em seus últimos dias se considerou capaz de compor. 

Além disso tudo,esbanjou sua criatividade na alta costura. Ela mesma desenhava seus vestidos e era uma referência da moda, em Nice e Paris, impondo seu estilo para que as grandes casas de moda acabassem por copiá-lo. Quando a selfie ainda não existia, ela teve a lucidez de ser fotografada centenas de vezes ao longo de sua existência para ilustrar seu Diário. Uma menina de hoje!



A edição do Diário influenciou sua notoriedade como pintora? Talvez um pouco. No entanto, alguns anos antes de sua morte, o público e a crítica já haviam reconhecido seu talento. O Estado francês adquiriu sua tela Encontro para o museu de Luxemburgo dois anos antes do surgimento do Diário.


Será que o seu trabalho febril, a sua carreira meteórica na pintura, deveu-se apenas à percepção de uma morte que se aproximava? Bom, ela mesma confessou que desde pequena se sentiu chamada a se tornar um ser excepcional, algo que em seus primeiros anos identificou com a realeza ou com as luzes do palco. 




A consciência de uma vida curta, a fez descartar um caminho na Literatura ou no jornalismo, atividades para as quais ela sabia que era naturalmente dotada. Até onde teria chegado  essa mulher de nosso tempo se tivesse nascido em nosso tempo?





Links utilizados e sugeridos

Escrever sobre Marie Bashkirtseef exige um grande trabalho de pesquisa e condensação para o espaço limitado deste blog. Este texto teve como base o blog do escritor e jornalista argentino José Horacio Mito 

Ele descobriu Marie Bashkirtseff na juventude, em  Buenos Aires nos anos 1970,  lendo o Diário, uma edição amarelada que encontrou em um dos muitos sebos lendários da Avenida Corrientes. 

Aconselho também a leitura de Os diários de Marie Bashkirtseff e de Florbela Espanca, tese de Jonas Jefferson de Souza Leite, mestre em Literatura e Interculturalidade pela Universidade Estadual da Paraíba. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Literatura e Interculturalidade da Universidade Estadual da Paraíba.








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