segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

HIGUCHI ICHIYÔ, UMA VASTA PRODUÇÃO LITERÁRIA PARA UMA VIDA TÃO CURTA

 


小さな葦の葉の生活


Higuchi Ichiyô, a principal escritora japonesa da Era Meiji

  

Higuchi Ichiyô pseudônimo de Higuchi Natsu, também chamada Higuchi Natsuko, poeta e romancista foi a escritora japonesa mais importante e a primeira romancista profissional japonesa desde o início da Era Meiji. Seus trabalhos retratavam os bairros de lazer licenciados de Tóquio. 

Em sua curta vida de vinte e quatro anos e, em particular, durante um ano e dois meses antes de sua morte, ela deixou obras que foram altamente relevantes na história da Literatura japonesa moderna. Foram vinte e dois livros, oito publicados nesse período de quatorze meses.


Escrever sobre Literatura japonesa não é uma tarefa fácil dada à escassez de livros japoneses publicados no Brasil. Boa parte do meu trabalho está embasada na dissertação Considerações sobre a obra Nigorie (Enseada de águas turvas) e sua autora Higuchi Ichiyô (1872 – 1896) da professora Rika Hagino, apresentada ao Programa de Pós-graduação em língua, Literatura e cultura japonesa do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (link no final da página).




O livro Ôtsugomori (1894) abriu as portas para a fase realista da escritora. Nessa obra, as personagens que antes dela eram descritas com base em elementos emocionais, foram retratadas por meio da descrição direta da vida da mulher que sofre com a pobreza, reflexo da própria vivência da autora. Ichiyô se afasta do mundo imaginário das obras anteriores e utiliza elementos reais.


Ôtsugomori é uma história com o início e o fim bem estruturados, sem o ar clássico, das ideias desbotadas. Seus textos ficam mais simples, concisos e com ideias definidas. Ao mesmo tempo que buscava a realidade da vida, ela se amparou nas suas próprias experiências.





Do orgulho samurai à extrema pobreza


Nascida na Era Meiji com fortes resquícios do feudalismo, numa época em que a posição socioeconômica de uma mulher ainda não tinha a liberdade de hoje, a escritora sujeitou-se aos conceitos de virtude social da época, sem revoltar-se contra a sua realidade e sem clamar pela liberdade feminina.


De uma família em decadência face ao novo regime político e social da Era Meiji, teve sua situação agravada devido às dívidas deixadas pelo pai. Porém, ela não perdeu o orgulho característico das mulheres daquela época de pertencer à classe dos samurais. Entrou na alta sociedade devido à sua prática poética, costume tradicional na educação feminina.




Mas nada disso impediu que ela vivesse na extrema pobreza. Vivenciou a realidade da classe mais baixa da sociedade compartilhando os sentimentos das mulheres sem privilégios. Ichiyô foi a primeira escritora da época a expressar de forma tão direta a tristeza das mulheres abandonadas pela sociedade injusta. Seu romantismo repleto de emoção ao descrever personagens oprimidos, especialmente a complexa psicologia feminina, fez dela a principal escritora da Era Meiji, devido à pureza que conferia a suas obras.


Início da fase realista


Ao mudar-se para Hongô Maruyiama Fukuyamachô, zona de prostituição clandestina de Tóquio, ela teve a oportunidade de um contato direto com as mulheres do meretrício, seja grafando os letreiros dos prostíbulos, seja escrevendo cartas a pedido dessas mulheres analfabetas.



Ela usou o estilo Gazoku-setchu de Saikaku Ihara (uma mistura de linguagem elegante e comum) para descrever o comportamento das mulheres e a tristeza dele resultante, durante o período Meiji. Ao mesmo tempo em que demonstra compaixão por elas, faz uma descrição real e contundente, valendo-se do uso dos diálogos para descrever com habilidade os ambientes e o caráter de suas personagens. 

Em agosto de 1886, aos 14 anos, Ichiyô ingressou no curso de waka (poemas clássicos) na escola Haginoya e lá ficou durante seis anos. Sua vivência no curso exerceu grande influência na sua vida pessoal e principalmente em sua vida literária. Estudou waka e os clássicos com Utako Nakajima e romances com Nakara Tôsui.


Naquela época, Haginoya era uma escola frequentada pelas esposas e filhas das classes abastadas do antigo regime, como nobres da corte, conselheiro sênior do xogunato Tokugawa, antigos senhores de domínios, estadistas da Era Meiji e militares. Praticamente todas as suas obras são escritas em um estilo entre o refinado da aristocracia Heian e o neoclássico característico dos meados da Era Edo (794-1185).


Natarai Tôsui impulsiona a carreira de Ichiyô


Em 1891, ela foi apresentada a um romancista menor, Nakarai Tōsui, que se tornou uma importante inspiração para o diário literário que ela manteve de 1891 a 1896, publicado como Wakabakage (Na sombra das folhas da primavera).


Natarai Tôsui ensinou a Ichiyô as primeiras técnicas do romance. Na época, sua escrita estava atada à sua formação antiga, tanto no conteúdo quanto na técnica. Ichiyō ignorou a principal sugestão de Tōsui, ou seja, que ela usasse linguagem coloquial em sua escrita, e passou a polir seu próprio estilo de prosa clássico distinto. Mas a influência dele nas obras de Ichiyô é bastante notada.


Ela escreveu com sensibilidade principalmente sobre as mulheres do antigo centro de Tóquio, numa época em que a sociedade tradicional estava dando lugar à industrialização.




Seus trabalhos incluem Ōtsugomori (O Último Dia do Ano – 1894) e sua obra-prima, Takekurabe (Crescendo – 1895), uma delicada história de crianças crescendo à margem do distrito do prazer. Natarai Tôsui criou o periódico Musashino, com a intenção de tornar Ichiyô conhecida. Ela assinou pela primeira vez com o seu pseudônimo Higuchi Ichiyô na ocasião da publicação de Yamazakura. Esse nome nasceu de sua percepção de estar vagando solitária em meio às tempestades da vida, como uma folha de junco fluindo em um grande rio. Ichiyô significa literalmente uma folha de planta


Posteriormente, publicou as obras Tamadasuki (Adorno para prender a manga do quimono), Samidare (A chuva no começo do verão) e Wakarejimo (A geada da octogésima primeira noite a contar do início da primavera). Por intermédio de Tôsui, fez sua primeira publicação em quinze partes sucessivas no jornal Kaishin Shinbun.


Seu mestre e único amor


Tôsui seria seu primeiro e único amor. No entanto, um escândalo sobre seu relacionamento com ele se espalhou (embora ambos fossem solteiros, os costumes da época não aprovavam tais associações entre um homem e uma mulher sem a intenção de se casar). Por causa disso ela cortou relações com Tôsui.


Findo o relacionamento, ela publicou Umoregi (Madeira enterrada), um romance idealista no estilo de Rohan Koda, completamente diferente de seus trabalhos anteriores. O afastamento de Tôsui foi um acontecimento de profunda tristeza e isso pode ser observado em seu Diárionão consigo derramar nem as lágrimas, tamanha é a minha tristeza.


Em 1896, quando Takekurabe foi publicado na íntegra em Bungei Kurabu, ganhou grande aclamação de Ogai Mori, Rohan Koda e outros; Ogai Mori elogiou muito Ichiyô em Mezamashigusa, e muitos membros do Bungakukai começaram a visitá-la.


Em maio do mesmo ano, ela publicou Warekara (De mim mesmo), e Tsuzoku Shokanbun (Epístola Popular) em Nichiyo Hyakka Zensho (A enciclopédia diária). Ichiyô tinha tuberculose avançada e, quando foi diagnosticada em agosto, foi considerada sem esperança.


Praticamente todas as obras de Higuchi Ichiyô estão traduzidas para o inglês. Infelizmente, em português somente uma: Wakaremichi (A despedida), editada pela USP. Consulte: Contos da Era Meiji, Geny Wakisaka, organizado pelo Centro de Estudos Japoneses da USP. 





Morte prematura


Em sua curta existência Ichiyô passou de filha de família samurai a extrema pobreza, convivendo com a alta camada da sociedade e também com a camada excluída socialmente. Apreciou a Literatura como uma arte e que mais tarde passou a ser o seu sustento. Após a sua morte, sua irmã Kuni teve um papel fundamental para a existência da jovem escritora até os dias atuais. Contrariando o pedido da irmã de que seus Diários fossem queimado logo após a sua morte, Kuni preservou todas as obras e objetos pessoais de Ichiyô.


Ela morreu de tuberculose pulmonar aos vinte e quatro anos. Começou o Diários aos quinze anos, em janeiro de 1887 e terminou em julho de 1896. O livro tem um total de quarenta itens. É possível percorrer com ele o caminho que Ichiyô trilhou durante aproximadamente seis anos, período da passagem de escritora desconhecida até se tornar famosa.


A vida de Ichiyô como romancista durou pouco mais de quatorze meses. Em 1897, ano seguinte à sua morte, foram publicados Ichiyo Zenshu (A coleção completa das obras de Ichiyô), e Kotei Ichiyo Zenshu (A coleção completa revisada das obras de Ichiyô). 


A vida de uma pequena folha de junco



Higuchi Ichiyô nasceu no dia 25 de março de 1872 (02 de maio pelo calendário atual), cinco anos após o início da Era Meiji (1868-1912) e da mudança da capital do governo militar Edo para Tóquio. Nasceu na residência oficial dos funcionários da prefeitura de Tóquio.

Seu pai Higuchi Noriyoshi (1830-1889) e sua mãe Taki (1834-1898) vinham de uma decadente família de samurais. Embora ela fosse uma aluna interessada, teve de largar a escola aos onze anos, por determinação da mãe, que acreditava que a filha deveria começar a se preparar para futuramente contrair matrimônio. Aos quatorze anos ingressou no curso de waka (poema tradicional) em Haginoya, tendo contato com a Literatura clássica, sua base literária.


Seu pai faleceu quando ela tinha dezoito anos, vítima de tuberculose pulmonar. Como não era possível depender de seus dois irmãos mais velhos, ela trabalhou como arrimo de família, tocando uma minúscula venda de utensílios domésticos e doces. Enquanto isso, publicou inicialmente poemas em estilo tradicional japonês e depois, romances.


Apesar das diferenças de nacionalidade e cultura, vejo alguma identificação entre Higuchi Ichiyô e Carolina Maria de Jesus. Ambas viveram em extrema pobreza, saíram cedo da escola e tiveram que lutar muito pela sobrevivência. Porém, nada disso abalou a necessidade vital de escrever como uma compensação interior pela vida que levaram. 




Ambas escreveram seus diários que chegaram aos tempos atuais como documentos artísticos, literários e, sobretudo como testemunhos de duas mulheres que venceram as adversidades tendo como única arma a capacidade de colocar no papel sentimentos e emoções e de levarem em frente seus propósitos, mesmo em meio a tantas adversidades. 






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