Novas capas de livros com a identidade das escritoras que usavam nomes
masculinos
O projeto
brasileiro OriginalWriters (Escritoras originais) da empresa
HP e de uma agência de publicidade quer estimular a leitura de escritoras de
romance que usavam pseudônimos masculinos. A empresa decidiu fazer novas capas,
para que os leitores possam conhecer a identidade real de suas autoras. O plano
ainda inclui a tradução dessas obras para sua publicação em português.
Os livros das autoras do século XIX e do início do século XX, principalmente das europeias, já estavam disponíveis no site Gutenberg Project - que oferece, gratuitamente, mais de 50 mil obras de domínio público. Confira o projeto aqui
O projeto também
inclui a busca por brasileiras que tenham feito o mesmo e que possam ter seus
livros disponibilizados gratuitamente.
Na postagem anterior vimos o porquê de escritoras de romance usarem
pseudônimos masculinos como assinatura de seus livros. Isso aconteceu não somente
nos séculos XVIII e XIX, estendeu-se também ao longo do século XX.
"Isso ainda é
comum no mundo acadêmico, nas ciências. Há um viés a favor da autoridade
masculina no conhecimento. É um viés que às vezes é implícito, inconsciente.
Achamos que isso mudou, mas, na verdade, não mudou tanto assim", afirma a
pesquisadora Sue Lanser.
"Se houvesse
qualquer elemento sexual questionável nos romances, ou considerado pouco
apropriado para uma dama da sociedade, elas seriam julgadas. O pseudônimo era
também uma maneira de proteger a vida pessoal."
Mas segundo a
pesquisadora, o fenômeno não desapareceu completamente. Já no início do século XX,
a franco-britânica Violet Paget
manteve seus escritos – que iam desde livros sobre viagem e música até contos
sobrenaturais, críticas de arte, ensaios sobre liberalismo e romances - sob o
pseudônimo de Vernon Lee, talvez também para evitar comentários sobre sua
homossexualidade.
Nos anos 1990, a escritora britânica J.K. Rowling escondeu seu primeiro nome, Joanne, por sugestão da empresa que publicou sua obra. Em entrevistas posteriores ao sucesso mundial de sua série de livros Harry Potter, ela disse ter sido convencida pelo seu editor a abreviar seus primeiros nomes. Sua assinatura mais ambígua facilitaria que os livros fossem lidos por meninos.
Para escapar das expectativas em torno de seu primeiro romance policial, Rowling também escolheu um pseudônimo masculino, Robert Galbraith. Mas ela logo foi descoberta.
O livro havia vendido pouco, mas recebeu críticas tão positivas que
levantou suspeitas de que não fosse um romance de estreia de um novo autor.
Após a revelação, uma primeira edição assinada da obra chegou a ser vendida por
mais de R$ 13 mil.
'Literatura para homens' x 'Literatura para mulheres'
O fenômeno da
segmentação de mercado entre "literatura para mulheres" e
"literatura para homens" também é algo recente e contribui para que
escritoras que querem ultrapassar a expectativa de público para seus livros
mudem seus nomes, como no caso de J.K. Rowling e Harry Potter.
Sandra Vasconcelos lembra que os
homens também liam romances de ficção. Grande parte dos comentários sobre os
romances feitos nos jornais era feito por homens. E alguns dos maiores romances
com protagonistas mulheres são de escritores homens. Não havia essa diferença,
todos liam tudo.
Para Sue Lanser, hoje, os editores
interferem bastante na vida dos livros e dos autores tomando decisões que têm
essa suposta segmentação de mercado como justificativa. Ela também concorda que
o fenômeno é moderno.
"Agora existe
uma dicotomia maior em termos de gênero e práticas de leitura. Desde que Jane
Austen, por exemplo, se tornou popular, só nos últimos 20 anos é que os homens
pararam de lê-la e não querem mais ter aulas sobre ela", afirma.
É absurdo que se
considere, no século XXI, que histórias sobre mulheres, especialmente se têm
algum tipo de história de amor no enredo, sejam automaticamente consideradas
"literatura menor" e "só para mulheres".
Não podemos mudar a história
Mas se o projeto
da HP diz ter a intenção de "reimprimir a História" dessas escritoras
usando seus próprios nomes, a pesquisadora americana Sue Lanser alerta
que é preciso tomar cuidado com a ideia.
"É uma boa ideia, mas é importante manter também os nomes com os
quais elas publicaram suas obras originalmente. É uma forma de honrar a
trajetória dessas mulheres."
Nem todas queriam
apenas se proteger com o pseudônimo. Algumas estavam tentando habitar outras
identidades. Talvez Mary Ann Evans
ou Violet Paget se sentissem, de
fato, George Eliot e Vernon Lee quando escreviam.
“Mesmo que algumas
delas tivessem tentando se esconder, precisamos também mostrar o nosso passado,
não podemos mudá-lo. Não dá para mudar a História e transformá-la em algo que
gostaríamos que fosse”.
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